Sonho com a dama de ouro

Quem diria que após seis anos a daminha de ouro estava de cabelos longos. Os olhos estavam mais convidativos, mas confesso que você também acharia que o grande charme dela é o queixo do Travolta. E a dama de ouro, pois cresceu, agora está bem menos desengonçada. Até porque toda menina moça anda como criança apesar de se trajar como moça: a cabeça de Hello Kitty não está proporcional com o corpo de modelo aos 11 anos. Creio que meninos moços também sofram desse mal na idade.

Surpresa, virou-me o rosto e notei: o queixo de Travolta! Mas ela mal conseguiu me cumprimentar e ainda continuo o mesmo seco e arrogante de sempre a ponto de não dar com a mão. O queixo apontava para uma tal paisagem de vidros azuis. Fazia tanto tempo que não a via, por qual motivo não aceitaria visitar o castelo anil? A dama de ouro não reclamou, mas a cor parecia esfriar sua mão, a mão esquerda¹. Maldito azul, rosronei. E ela sorriu, guardando a mão entre os panos de seu longo vestido.

Descreveu-me seu mundo, algo mais rosa, uma tal terra florida. Sentou-se no chão, também azul, e começou a lacrimejar, a chorar e a cair em prantos. E até meu ímpeto de tristeza surgiu no momento. Não consegui apertar seu ombro, apenas me arrastei para dentro de seus olhos. A dama de ouro se desconsolava porque não achava seu querido unicórnio, o único potrinho que cavalgava entre os gramados de seu mundo colorido. Lembrei de meu peixinho, morto em dois dias após levá-lo para meu castelo de areia.

É claro que a dama de ouro não se recordou do meu peixe. Bem pouco. A memória não é o forte para alguém que já enxerga sentimentos como sua maior virtude. Toquei-lhe docemente o queixo de Travolta e ela engoliu as lágrimas. Não porque eu seja um nobre cavalheiro, mas talvez porque não resisto ao queixo do Travolta e fosse o momento mais propício para isso, já que a dama de ouro estava fragilizada. Foi daí que os azuis começaram a derreter junto aos vidros.

– Fuja, dama de ouro.
– É, pensando bem, nunca gostei de unicórnios.
– Então vamos, dê-me a mão.

A dama de ouro corria bem, gosta até de correr à noite pela praia. Na verdade, se ela ainda continua a mesma, gosta de ler e tomar chocolate quente. Você não sabe como é bom tomar chocolate quente, e até cairia bem nesse reino azul e frio em que estávamos. Mas a ansiedade ia tomando conta do peito, os trejeitos de agonia, precisava salvar a dama. Por favor, pule. Precisamos fugir, não tneha medo. Ela me notava com os olhos de fazer morder. Mordeu. Os lábios. E pulou. Espero que não tenha machucado os lábios, porque consegui segurá-la para poder ir rumo fora do castelo de vidro.

Mas enquanto estávamos para sair, vimos ele. Preso entre os vidros azuis, o unicórnio. E não improta que o teto de vidro caia na sua cabeça em menos de quarenta segundos, todos nós aprendemos quando crianaça a salvarmos os animais. Eles têm vida também, não tem? Nós dois fizemos força, puxamos pelas patas, mas o unicórnio estava emperrado naquela maldita emboscada cortante. A cabeça não passava para o lado de fora e o teto pouco a pouco ia desmoronar. Perdeu o chifre, bradou alto.

– Desculpa, dama de ouro. Não queria ferir seu unicórnio querido.
– Tudo bem, vamos dizer que o então cavalo passou por uma cirurgia para arrumar sua deformidade – e sorriu.

E se eu me extasiava com seu sorriso, ela corria rápido antes que a torre do castelo chegasse ao chão. Já não dava mais tempo, tínhamos que fugir logo. Peguei o chifre do então cavalo e quebrei a parede. Fez-se breve a janela. A dama de ouro pronunciou muitas palavras, ela fala empolgado e espero que você também tenha a oportunidade de conversar com alguémq ue fale empolgado. Deu um beijo no rosto, um aceno. Montou em seu então cavalo e saltou pela janela. Não consegui escapar das ruínas do castelo, todas as tralhas azuis caíram sobre mim. Morto, ou próximo a isso, gastei minhas forças ao me espreguiçar. Joguei o cobertor felpudo para o fim da cama e me levantei para tomar um bom café-da-manhã.

¹A dama de ouro não é canhota, então guardemos isso como nosso segredo.

*Lincoln, a dobradiça