Aquela palavra nos piores dias

Saí com a bandeira na última semana. Há certas datas que não devem ser comemoradas. É como se o azar sentasse no seu ombro. Estilo GPS quebrado, vive a proibir você em alterar o caminho, trocando os seus sentidos com sua voz um tanto irritante. Para um garoto que a única vez que foi sorteado era pra ser o primeiro a responder a prova oral de Química, estes últimos dias não seriam diferentes.

Perdi o horário, perdi o livro, perdi a canção, perdi a banda mais bonita da cidade, perdi a manhã, perdi o estágio, perdi a tarde, perdi a noite de autógrafos, perdi a sessão de cinema, perdi a festa, perdi o chá, perdi a cerveja, perdi a pizza, perdi a paciência, perdi a companhia, perdi a carona, perdi o ônibus. Hoje só não perdi a chuva sujando a bandeira que agarrava minha calça.

É aquele momento que não cai bem no copo. É aquela sensação que você nasceu pra ser pinguim de geladeira, sabe? Foi homem por acaso. Devia ser pinguim desde o início. Talvez Deus tenha sacaneado, trollado. Ou simplesmente me esqueceu entre umas dezenas de outras pessoas durante boa parte do dia. Mas, afinal, quem dá conta de parar para mim? Nem eu me olho no espelho com medo de trincá-lo.

Rodeado de tantos e tantas, escuto que minhas boas atitudes enchem o coração dele de felicidade. Lá distante, há umas centenas de quilômetros, o cara avistou com bons olhos todos os maus resultados que tive hoje, o tecido que eu hasteava. Para ele, é esse lance de processo que vale a pena, e não o fim. Diferente de outros eles, é esse o ele que considero, que é o cara. Já falei que você é o cara, né?

O elogio molhou meu apetite, e o vinho seco árido de azar nem me caiu tão mal. Bem, é que já respiro ares de ranzinza nessa época do ano. Outono bate aquele frio que esbranquece o peito, mal dá vontade de pisar no elevador, ainda mais pegar chuva por ideais. Mas ele gostou das cores da bandeira. Pelo menos, mesmo longe, é o cara que já soma bastante qualquer palavra no meu dia, afasta até o meu azar. Valeu.

*Lincoln para Stuart

Velório do passado

Chão, vela, fogo, iluminar, lua, estrelas, poucas, céu, escuro, cinza, voo, aves, distante, horizonte, rua, faróis, trânsito, congestionamento, motoristas, grávida, companhia, querido, novo, amante, volante, tédio, angústia, raiva, trajeto, oposto, distante, bairro, vizinhança, casa, simpático, esposo, joelhos, lama, vermelha, sangue, dedos, calejados, roer, coçar, perfurar, arrancar, pedaços, terra, alívio, caixa, antigas, fotos, presentes, vestidos, embrulhos, paixão, resto, silêncio, lágrimas, rastejar, descuido, embrulho, chama, acesa, incendiar, abraço, aperto, intenso, sufoco, queda, enterro, perdição, acidente, não, apego, passado.

*Lincoln, bem distante de cenas antigas.

Amor de devorar

Vai ter um dia que o toque, a pele, as mãos e todo o perfume dela vai te embriagar. O olhar dela procura tanto que parece querer roubar sua alma. Você tenta não fugir, mas sequer Medusa tem olhos tão arredios. Poderá segurar forte pelos ombros ou escorrer afeto pelos braços, ou agarrar a cintura e abraçar todas as costas. E a obsessão gostosa de se perder envolvido nos olhos dela. Perde-se fácil também nos lábios molhados, lúdicos. Dá vontade de sorrir quando beijam. Ela já percebe, você também. O impossível nunca foi tão claro, e, ao mesmo tempo, distante. Tudo está entre os dedos anelares entrelaçados. Tudo está nas nucas quentes, ora carícias, ora calafrios. Dos queixos aos pés próximos. É poesia quando ela fecha os olhos e sussurra pertinho tudo aquilo sem dizer uma palavra. É prosa todas suas falas de pouco nexo entre suspiros. É amor de devorar, de tirar o medo. De roubar as tristezas, dores e angústias. É um amor de tamanha verdade que também é amor de beijar o coração.

*Lincoln, que tem a companhia perfeita oficialmente há 4 meses da namorada Késia, acredita?

Sesta do cirandeiro

O bom cirandeiro escolhe bem a roda em que quer dançar.

Canta desde criança pela utopia de uma civilização só amor.

Tem pé sujo, coxa forte e mão graúda. Cabeça grande para pensar mais.

Se o Sol vier, mais festejos, axé, oxalá. Se cair a água, que celebre pela natureza.

Ensina com o entrelaçar dos olhos a mística, é seguimento aos passos.

Passos em voltas e voltas, pois nova gente também vem cirandar.

– Vem, vem se libertar, arregasse a manga até o ombro.

Clama alto, forte e belo parecido até com o João do deserto.

Vai-e-vém das saias e calçados ouvindo o bom cirandeiro tocar.

A música pode tocar anos com seu nome até perceber que já entardece.

E vê o pôr-do-Sol, recanto, repouso.

Os outros choram amargo porque ele tem que parar, é a sesta.

Marejam jocosos os olhos até de ver brilhar. Nome agora torna eco.

Já o bom cirandeiro afasta-se e lá longe que chora doce, porque ainda dá pra ouvir a colorida roda.

*Lincoln, quem também vai borandá/Foto: Fernando Diegues

Varal, da dama de ouro

Talvez seus caminhos estivessem predestinados. Que maneira mais clichê de começar um romance.

E como não odiar os clichês? Além de mal ditos pelo mundo afora, são verdades universais que te esmagam toda vez.
O arrepio sobe das pernas até o peito. Os pêlos dos braços eriçam. De novo, é. Chavão. Todo mundo conhece a sensação. Que mentira. Eles mentem até experimentarem realmente o momento do arrepio.

Do começo ao fim são dois pedaços de mistério. Pedaços de ímã também podem ser. Atraem-se de maneira idêntica. Depois, são desconserto. Quebram as regras que aparentemente ninguém enxerga. Não são iguais. Nem um ao outro, nem a ninguém. Talvez nem tenham nascido. São almas que perambulam fora do paraíso por ainda não terem encontrado seu destino final.

São pés e mãos que trabalham. Mãos que escrevem. Pés que andam. Não param. Não escrevem um para o outro. A escrita é o seu trabalho. As mãos não chegam a calejar. Dos pés, não posso dizer o mesmo. São novas bolhas a cada esquina.
Talvez seus caminhos estivessem predestinados. Que maneira mais clichê de começar um romance, uma paixão, uma historinha de amor. Eu gosto. O público gosta. Atrai mais do que palhaço de rua. Circo de rua. Mágico de rua. Eles nunca souberam fazer mágica. As cartas lhes fogem.
Não escrevem um ao outro. Escrever é o seu trabalho. As mãos, por vezes, calejadas. Os pés não param. A não ser quando as mãos escrevem. Olham um para o outro. E as pupilas, dilatadas, fazem seu trabalho. Elas não calejam. Admiram.
Talvez, lá no fundo, aquele quadro que viram juntos durante a viagem à Salvador tenha sido desenhado por eles mesmos. Eles não sabem. A mata seca, o céu com nuvens. Eu nunca vi beijo tão bom. Ninguém vê beijo bom. No máximo o sentem. Nas línguas, nos lábios. Na boca inteira. Sentem até nas pernas. Eles viram o beijo desenhado no quadro. O original ninguém viu. Mas distribuíram réplicas por aí e eles compraram uma. Menti de novo. Não têm dinheiro. Têm um pouco de talento e um tanto de amor. Uma réplica lhes foi desenhada. Não pagaram um centavo por ela. Pagam por cerveja e chocolate, mas não por desenhos.
Mas voltemos ao romance, à predestinação. Voltemos ao casal.
Ela não usa relógios. Come pães na madrugada e só sai de casa com um anel no dedo do meio.
Ele acorda cedo todos os dias. Anda descalço em casa e tem medo de altura.
Ela é preguiçosa ao amanhecer. Ele, ao anoitecer. Suspiros são recíprocos.
Ela gosta de música tocada ao piano e ouve The Kooks frequentemente. Não sabe sambar. Ele lê livro sobre jornalismo cultural e todo dia se lembra da música do  Legião tocada no filme. Não sabe sambar.
Os dois têm os cabelos cheirando à shampoo, não usam perfume e detestam choro de criança. Secretamente planejam ter um filho, mas não assumem a ninguém.
Ela tem medo de barata e de polvo.  Ele de bicho nenhum, exceto humanos. Ela ensina a ele palavras em inglês. Ele ensina a ela como criticar um jornal. Os dois gostam de sentar no chão. Ela gosta de andar pelada pela casa e que ele deixe a barba crescer. Ele gosta de colocar os pés para cima no sofá e que ela deixe o cabelo solto. Conhecem o significado da palavra “realejo”.  Gostam de pão frito com manteiga.
São sincrônicos. Querem viver até os cem.
Ontem, pegaram chuva juntos. Ela quis pegar chuva. Ele segurou o guarda-chuva. Ela, molhada o abraçou. Ele fez careta. Um beijo.
Eles experimentam a paixão a cada cair de gota.
*Késia, sim, a dama de ouro. Ah, essa é a janela dela.

Órfãos dela

Declinava o sol enquanto a pequena cidade em procissão ia à uma igreja. Lotada. Lá havia uma mulher parda bem baixa de rosto enrugado e grisalho. As mãos sobrepostas nunca tocaram em um livro, os pés juntos jamais pedalaram uma bicicleta. Viúva, não teve filhos, mas dedicou a vida limpando fraldas e comprando roupas aos filhos de outras mães.

Todas os sábados comprava rifas, verduras e comésticos dos vendedores forasteiros e doava ao primeiro que visse de mãos vazias. Todas as páscoas ela abria a casa para que os vizinhos rezassem e pedia que tocasse chuva de bençãos no fim dos cultos. Todas as semanas dividia a panela com a vizinha ou com qualquer outra visita que lhe batesse à porta. Todos os feriados, quando colhia o limoeiro do quintal, deixava sempre um a amadurecer para que as netas se alegrassem ao tirar o único fruto do pé.

As irmãs que não se encontravam somente arranjaram um tempo juntas para vê-la. O bêbado maltrapilho pela primeira vez tomou coragem a entrar na igreja. A enfermeira não soltava a mão. O cego limpava o rosto de tanto chorar. Uma família que sempre recebia suas doações estava na última fileira antes do galo acordar. As crianças cantavam trêmulas pelo seu nome. Cinco pastores de outras cidades foram visitá-la. Ela não conseguiu pronunciar uma palavra a quem foi lhe cortejar, sequer distribuiu presentes a quem ela docilmente vivia a adotar de afetos. Eles também de origem humilde mal sabiam o que dizer. De repente, ventos feriam as dezenas de vasos de flores em torno dela. Então o dono do bar, o universitário e o aposentado levaram-na de lá.

Quando chegou na casa dela, não acreditava nos outros. Sentia o cheiro da senhora e a procurava para dar um abraço. O chão limpo, o sofá frio e o coração a esquentar. A estante com as fotos suas, dos ‘filhos’, ‘netos’ e ‘bisnetos’, destino de suas orações. Atrás da porta, um cabide com o vestido sem botões. Pegou-lhe como se abraçasse a própria para dançar. Deitou-se agarrada ao traje como criança, como se pudesse retornar aos anos 60. Beijou-o por dezenas de vezes até as cigarras dessem o tom, afinal, tentava admitir que estava órfã da mãe de coração.

*Lincoln e uns segundos de silêncio

Crianças e o antigo ponto de vista

É o seguinte, Betinho, estou muito irritado com você desde que me vem com essas gozações por causa dos meus óculos. Não sou seu saco de pancadas ou cãozinho arrependido para me tratar como o babaca do Michel. Na última aula de Educação Física, ralei todo meu joelho por conta de seu jeito mandão como se fosse o maioral da classe. Se não bastasse, além da dor do meu joelhinho, quebrou meus óculos e jurou que não ia pagar outro bem na frente da professora Rebeca.

Logo você que vivia me chamando de ‘melhor amigo’, na verdade devia querer só alguém que te valorizasse e falasse o quando você é bom nos esportes. Até porque, cá entre nós, você sempre dependeu das minhas colas pra se safar em Geografia. E não me venha dizer que pelo menos me ensinou a abrir o Noob Saibot no N64 ou dos tempos em que tocávamos juntos a trilha do Gerudo Valley no violão. Foi você quem se distanciava desde que me zoava por causa dos óculos.

E afinal por que diabos reclamou tanto dos meus óculos? Sou tão retardado por não enxergar direito? Devo ser sim. Muito retardado por considerar todo mundo amigo, inclusive você. Agora para de correr atrás e dizer que novos dias virão. Não dá, não consigo. Recorte e guarde bem aquela foto de sua festa da terceira série, porque dificilmente vou te dar um abraço ou um cartão de Feliz Ano Novo por e-mail. Nem vou enviar os slides do hotel da França ou de Israel por e-mail.

Você nunca vai ser o cavaleiro vermelho nas nossas brincadeiras. Não te admiro mais. É, não te admiro. Tudo porque tirou meus óculos, agora não te vejo mais com bons olhos. Você é mais chato que o Vingador. Na real, nós nem vamos brincar mais. Estava com tanta raiva que mataria duas vezes você no Marvel vs. Capcom.

Não quero ser seu amigo, nunca quis ou pedi para ser seu amigo! Você é irritante, insuportável quando pensa que todos tem que te ver com piedade e te dar mais atenção por causa dos problemas que você não consegue enfrentar em sua bolha. Para de cuidar da minha vida! Tá bom, eu sinto sua falta, de ter alguém pra jogar comigo toda tarde, só que olha a merda que você fez… Minha mãe vai reclamar com a diretora amanhã na reunião, pode ter certeza. Vá brincar com seus novos amigos e me deixa em paz. Ou compra logo outros óculos.

P.S.: Esse é o único depoimento que deixo no Orkut pra você. Nem responda, porque acabei de te bloquear. :/

*Lincoln, o míope

Desabafo: A Madeira Burocrática

Quando recebemos a cruz de madeira¹, a primeira recomendação que tivemos dos jovens é de protegê-la dos demais. Não era uma cruz qualquer, mas a cruz que vinha do Estado do Vaticano e que representava Jesus Cristo – diga-se de passagem, o Deus mais humano que já pude ter conhecimento. Sobre as recomendações, o jovem brincava que era permitido pisar no pé dos fiéis ou até dar cotoveladas, desde que o símbolo sagrado se mantivesse erguido.

Sua fragilidade em tombar a qualqeur toque mais forçado se contrapunha com a altura (uns 4m). Contudo, tento me imaginar se alguém empurrasse a cruz acidentalmente, logo não se dobraria em sete vidas para resgatar o objeto de sua devoção. Difícil pensar que um lunático quisesse quebrar a cruz em pedaços, pois demorava basicamente 40 minutos (ou mais, dependendo da reza do terço ou dos hinos de louvor) na fila para se aproximar por segundos dela. Além do mais, tinha sempre dois policiais a vigiando.

Jesus teria certamente inveja da madeira que representa a sua própria História. Em nenhuma passagem bíblica, o Filho do Homem era protegido por seguranças, sequer tinha um grupo ao seu redor para evitar se aproximar dele com devoção. É a cruz mais compromissada do mundo, com hora de chegada e partida e, portanto, ninguém pode ficar mais de 10 segundos perto dela, exceto seus guardiões. Confesso que me sentia envergonhado de ser jovem² e da mesma geração desses que conservavam a cruz em ‘bom estado’.

Para que a cruz não caísse, o jovem guardião pressionava seu peso no suporte dela – até aí, nada demais. Reduzindo ainda mais a chance, agarrava-se na parte inferior do objeto (saindo em todos os álbuns possíveis dos fiéis ao lado da cruz), o que já era um certo exagero. Depois, um ajudante organizava a fila – mas em vez disso, é quem apressava as pessoas para tocar e sair correndo da cruz.

O mais absurdo é que ninguém podia se ajoelhar diante da cruz, pois ‘tomava tempo’ e já recebia sutis empurrões e palavras animadoras para sair do chão. As pessoas que também fechavam os olhos para entrar em oração com o Deus que se libertou da cruz também eram pressionadas a escapulirem diante do símbolo de devoção. Traziam fotos de familiares, flores, sonhos e histórias que gostariam de contar ao sofrido dono de uma cruz verdadeira.

Mas o tempo e a agitação de qualquer bom jovem fazia do ponto de peregrinação um certo caos. O que mais me impressiona é que são esses quem mais reclamam que as senhorinhas do banco da frente e os coroinhas não dão espaço para atuarem em prol à comunidade. Logo os jovens é quem reivindicam uma melhor acolhida da Igreja. Contudo, foram justamente esses guardiões um tanto insensíveis/insensatos à fé do próximo que se tornaram representantes de toda a juventude cristã.

Não sei, mas tenho a leve impressão que jamais Jesus concordaria que uma boa acolhida fosse feita dessa forma: com empurrões e pressão. Insensatez, imaturidade, fanatismo ou uma obediência radical à Igreja – qualquer dessas razões foram apropriadas pelos infames guardiões que dispersaram fiéis da Igreja somente para a cruz se manter intacta e um tanto imune às pessoas. É, pensando bem, o nosso Cristo não deve invejar nenhum pouco a tal madeira tão burocrática.

¹Sim, é a cruz da Jornada Mundial da Juventude, idealizada pelo falecido papa João Paulo II para simbolizar a presença de Cristo fraterno e obediente a Deus na Terra;

²Deus seja louvado se a Igreja aprender a se acolher melhor até a Jornada.

P.S.: A culpa da falta de acolhida em certos momentos não se deve à coordenação do evento. Até porque também acompanhei o processo da coordenação. A culpa é pessoal, de quem está lá guardando a relíquia, na hora, e cria essa burocracia cristã sem nexo. E isso pode ocorrer em qualquer lugar ou evento religioso.

*Lincoln, a testemunha da Luz e da cruz eclipsada

As cinco perguntas do interior psicólogo

– Oi, boas novas neste meio tempo? – entusiasmado ao vê-la se aproximar na praça.
– Bom, isso depende. – senta-se ao lado tentando arrumar as mechas que não lhe fogem aos olhos.
– Vamos lá. Conte então.
– Comi bastante chocolate, dei a volta ao mundo e descobri uma nova loja de vestidos!
– O chocolate e a loja eu até até acredito. Mas a volta ao mundo, hã, não.
– É – sorri tímida -, imaginação fértil.
– E segundo sua mente criativa, viajou para onde?
– Ah, sei lá – volta o olhar ajeitando a jaqueta – Tô meio louca. E você? Está bem?
– Tudo sim, mas o máximo que andei foi à praia. Hey.
– O quê?
– Gosto de garotas loucas – cochicha.
– Aham, é que você não as vê de perto.
– Você só é louca de perto?
– É, talvez também de longe – ri.
– Não te vejo assim – vira o rosto -, tá, tá bom, te vejo assim.
– Tá – ri mais uma vez -, talvez você me veja.
– Mas já falei que gosto de pessoas assim – toca seu ombro.
– Isso é bom, porque, pelos meus cálculos, mais de dois terços do mundo é assim.
– E você se difere ainda mais dos dois terços, não? – sorri como qualquer moleque ao correr da chuva.
– É, depende. – tira a mão dele de seu ombro – Ainda não estudei meu interior psicológico.
– Se você me responder cinco perguntas – ergue o dedo indicador ao céu -, eu entenderei seu interior psicológico.
– Okay. Mas ninguém consegue fazer isso com cinco perguntas.
– Vamos lá! Preparada?
– Claro que sim – desconfia -, meio-preparada. Se eu sumir daqui, foi de medo – alarga os lábios.
– Qual é o nome da sua professora na segunda série?
– Ivaldinete.
– O que significa ‘amor’ para você?
– Amor.
– Isso. A-m-o-r – com um sorriso bobo de qualquer tarólogo entusiasta.
– Amor é a resposta! Não dá pra definir ‘amor’ em palavras.
– Tente! Tente!
– Nããão, estou com preguiça – cabisbaixa.
– Assim eu nunca vou te entender – irrita-se rapidamente.
– Depois de cinco anos você me entende. Não cinco perguntas.
– E como eu vou saber se amo realmente uma pessoa?
– Quando – pensa por instantes – você puder olhar nos olhos dela. E, bem, dizer realmente o que sente, sendo você mesmo.
– Qual animal você gostaria de ser?
– Um golfinho! – ri fácil com o rapaz – Sempre disse isso. Às vezes eu mentia dizendo que queria ser um pássaro…
– Última pergunta. O melhor presente de aniversário, Natal ou ocasionalmente que você já ganhou?
– Um DVD do ‘Hitch – Conselheiro Amoroso’. Aquele do Will Smith. Meu, respondi muito rápido. Mas é isso aí! E aí, quem eu sou?
– Tá, vamos calcular – em silêncio tenta imaginar a melhor descrição. – Pelas respostas, suspeito que você é uma pessoa – faz uma pausa dramática apenas para encará-la nos olhos e se deslumbrar por instantes – prática e estranhamente não tão louca como parece. É, equilibrada. Provavelmente deve ser inconformada com várias coisas e, por isso, a criatividade e a imaginação. Gosta de praia e é esperta que nem o golfinho, e também emotiva e sensível, mesmo não sendo tão nítido às vezes. – afasta o rosto como se fosse analisá-la em cada detalhe ou expressão. – Claro que você é tímida. Até costuma ser autêntica, mas não fala muito sobre temas pessoais. E é bem atenciosa com as pessoas ao redor, o que considero como uma grande virtude. Ah, vale lembrar que você não faz muito drama, deve ser porque é prática. Não parece ser extravagante e tem um ótimo humor. Acertei em alguma coisa?
– ‘É atenciosa com as pessoas ao redor’ – seus olhos voltam a brilhar mais uma vez e sutilmente encosta os dedos no braço dele. – É, você é bom.
– Não vou precisar de cinco anos para te conhecer então? Mesmo parecendo divertido te conhecer por cinco anos – ambos gargalham.
– Nunca me conheci durante cinco anos – discreta, esconde a mão no bolso de sua jaqueta. Um arrepio, um medo. – Preciso ir. Se cuida, moço.

Lincoln, o co-autor dos diálogos mais divertidos