Procura-se Adriana

Até porque já desisti de procurá-la em você. Cada vez a angústia vem em abraçar enquanto você não aparece, não vejo mais a mesma garota (minha própria irmã) que se orgulhava pelo seu caráter exemplar. Dobro esquinas, vasculho sombras com o olhar. E daí? Você nem deve prestar atenção quando te elogiava, imagina se agora aceitaria minhas súplicas. Por que existe uma Drica à solta nas ruas. Não, Adriana. Drica.

Volúvel, inconsequente, quer bancar a mulher-gato. Não se importa muito com sentimentos, já que os abandonou com a primeira desilusão amorosa da vida. Trai quem confiava em suas mãos, alucina aqueles que se encantava com seus sorrisos sinceros. Se antes tinha até repulsa em ver um casal se beijar sem afeto, agora sempre acorda na cama com anônimos e enchaqueca. Cadê a Adriana, Drica? Cadê aquela moça que valorizava relações, que realizava milagres com suas palavras?

Aposto que Adriana deve estar viva. Não sei aonde ela deve estar, mas deve estar. Ou será que sonhos e ensaios altruísticos não valem mesmo a pena? Esse tormento que seu furacão em causa me faz toda hora refletir se estou mesmo no caminho certo. Talvez devesse aceitar suas ligações me chamando para ir às baladas de high society que marcam presença de drogas e volúpia. Será que sou mesmo um idiota em ainda querer me iludir que a felicidade é ter casa própria, esposa, filho e um cachorro a latir todo dia que o carteiro chega?

Sim, você tem razão. Tenho uma grande parcela de inveja de você, que consegue se esquecer de qualquer sentimento quando está aquecida nos braços de alguém. Tenho inveja ao seu grau de atuação em conseguir manipular pessoas para fazer o que você bem entender. Até mesmo, porque quem não gosta de você? É linda, inteligente e desiludida. Bem provável que a verdadeira diversão seja essa que você assume como seu cotidiano. A luz dos seus espaços noturnos é bem maior do que a lâmpada de casa.

Adriana, a sua coerência sempre me ensinou, mas tenho medo de que essa seja sua coerência certa. Porque não quero mais te procurar, assistir às cenas que se repetem e seu fôlego se acabar – e a tal da Drica dizer que foi a melhor das sensações, um êxtase. Porque se eu for te procurar, vou me perder, vou me confundir, e pensar que você está realmente certa: que sonhos não valem a pena, que sentimentos não valem a pena. Então se outros puderem, encontrem Adriana por mim. Por ela. Ou será que devo mesmo mandar sonhos e sentimentos se fuderem?

*Lincoln, o desaparecido

Vou te contar meu sonho

Dedilha em seus cabelos, enquanto os lábios dela assobiando bem baixo. Mal resiste, volta a contemplá-la. Procura cada detalhe com os olhos, vê o ombro descoberto. Pequena carícia, logo lençol o acolhe. E todas as cenas em sua companhia são flashes. O rosto para cima.
– Deus, obrigado por mais um dia.
– Você não é de falar com Deus.
– Sempre rezo ao acordar.
– Não reza, não. – arqueia a sombrancelha, enfrenta-o.
– Sempre rezo.
– Não reza.
– Claro que rezo. – avança, aproximam os olhares, ela se recua no travesseiro. Os narizes se estranham, ou brincam, como foi assim a juventude. – Todo dia tenho que agradecer por você estar do meu lado. – os lábios se encontram para variar.
– Fo-fo. – ele se enrusbece – Agora volte a dormir, está cedo.
– Podemos aproveitar melhor o sábado.
– Você está aposentado, e vive trabalhando dentro de casa. Qual é a diferença de hoje para os outros dias?
– O Raphael disse que ia trazer a Náthalie com a Mari agora de manhã.
– Tá, vou fazer o café-da-manhã.
– Não, gatinha. – deita-a sobre a cama, aperta-lhe os braços com cautela. – Pode descansar, deixa que eu me ajeito na cozinha.
– Até hoje estou esperando você fazer aquela lasanha.
– Essa promessa deve fazer uns, uns, quarenta anos.
– E depois de tanto tempo, você decide cozinhar apenas por causa da sua primeira neta?
– NOSSA primeira neta. É, ansiedade. Sabe como sou ansioso.
– Você não mudou muita coisa desde a primeira vez que nos vimos.
– Estou grisalho.
– Seu sonho é assim? – ah, sim, a luz da janela bate bem naquele rosto meigo, sensível, pelo qual até hoje ele se perde.
– Exatamente desse jeito. E o seu? – aflita-se com o silêncio dela. Aflita-se também com o barulho da cadeira caindo lá na sala de jantar. – Só não esperava que essa pulguenta já soubesse pular a cerca da área. – ela sorri, balança a cabeça reprovando, e volta a sorrir.

*Lincoln, esse é meu sonho.

Senhora menina no meu sonho

Ela vem, o terço balança e não sei como me comportar. É tão difícil equilibrar as cartas em formato castelar. Sentado no chão, misturo as cartas, números, cores. Ora noves, ora valetes, as fileiras eram montadas uma sob a outra. Demorou para completar o castelo, o baralho não o auxiliava – o rei tinha uma tez muito lisa e a dama com as vestes escorregadias, por exemplo. Mas, para variar, o meu monumento caiu.

Sim, já estava acostumado a vivenciar isso. Lançava cartas em direção à fria parede, me esquecia que ‘montar castelo’ era um processo, um aprendizado. Um exercício para exercitar a sua paciência. Ou uma brincadeira para lhe fazer passar o tempo. Pelo contrário, para mim, encerrar o castelo era o objetivo-mor de vida. Só que faz meses que você não consegue reerguê-lo completamente, e todos que passam ao seu redor apenas veem. E, logo, passam.

Dessa vez, é diferente. Ninguém está ao meu lado, ao meu redor. Procuro mãos, chamo ajuda, e só produz ecos. Só aquela distinta senhora, de idade, parada em frente à porta, com uma roupa que lhe cobre os pés. Ela me olha com jeito materno, sincero e simples. Tento mais uma vez ajuntar as cartas, tudo vai abaixo. Minhas lágrimas escorrem pelo rosto aflito. Estou desesperado no chão preto de uma sala vazia, apagada, inóspita.

Os passos vem, só que minha dor atazana. Sinto um terror dentro de mim a ponto de que vou perder além do castelo, o baralho. Qualquer um pode me tomar o baralho, roubar sonhos. Um vulto ameaça tomar minhas cartas e não sei como lutar pelo meu objetivo. Ela me defende, atravessa como se eu não existisse, pede para ele sair. As cartas continuam maculadas na terra escura. Volta-se a mim agachada e me abraça com rosa entre as mãos. Cochicha em meu ouvido, pede pra guardar segredo e sorri. Ainda ajoelhado, só dá tempo de eu beijar suas mãos, admirar sua coroa que cintila. Ela me levanta, mostra-me um castelo pronto para ser construído. E se vai.

*Lincoln, o devoto